Textos selecionados sobre o trabalho de TP a partir de 2000
Seleção de textos de Teresa Poester para exposições e catálogos de artistas
O Prazer do desenho - Laura Castilhos, 2009
O Corpo do desenho - Paula Ramos, 2007
O desenho de Teresa - Antonio Augusto Bueno, 2006
O desenho de Teresa Poester - Armindo Trevisan, 2004
O resgate do lugar através da paisagem - Luiz Alberto Morelli, 2003
As fronteiras de Teresa Poester - Paulo Gomes, 2002
Traços, paisagens e diferenças - Icléia Cattani – 2000
Desenhos, Grades e Jardins de Eragny - TP por Teresa Poester
Desenhos, exposição de Gabriel Netto, 2005/2009
17000 km en ligne, dessins , exposition de Marianne Channel, 2009 (français)
Acordes, o som da paisagem, exposição de Saura Maschio e Suzana Maino, 2008
O tempo de Laura Castilhos, Revista da Sociedade Psicanalítica RS, 2008
Desassossegos, exposição de Fernanda Manea, 2008
Arredores, desenhos e aquarelas, exposição de Fernando Karan, 2007
Desenhos, exposição de Adauany Zimovski, 2007
Designos, exposição coletiva, 2007
Acalantos, Texto para o site de Laura Castilhos
Onde está o que você vê? exposição de Letícia Lau, 2006
Troncos, exposição de Claudia Hamerski, 2006
Fissuras do desenho, exposição de James Zortéa , 2006
Articulações visíveis, exposição de Eny Schuch , Rafael Oliveira e Jorge Aragão, 2006
O anotador de Faces, exposição de Antonio Augusto Bueno, 2006
Lugares Perdidos Cidades Encontradas, exposição de André Venzon, 2005
Tique taque, tremor das pequenas coisas, exposição /instalação, de Leandro Selister, 2004
A pintura de Adriano Rojas, texto não publicado, 2004
Aquarelas, exposição de Fernando Karam, 2003
Texte pour le livre de Dai Zheng, 2003 (français)
Gravures, exposition de Maristela Salvatori, 2000 (français)
Tell-me a story, exposição/ instalação de Jorge Menna Barreto e Clarissa Motta Mello, 1998
Noturnos, pinturas/ colagens, Texto para a exposição de Jorge Portanova, 1998
Paisagens , projeto de exposição de Leandro Selister, texto não publicado, 1997
Pinturas, exposição de Marilice Corona, 1997
Esculturas, Exposição de Luiz Felkl, 1997
O jogo armadilha, esculturas de Luiz Felkl, texto não publicado, 1997
Helvetica Light é uma fonte fácil de ler, com letras altas e estreitas que se adequa bem em quase todos os sites.
O prazer do desenho
Laura Castilhos
Os últimos trabalhos de Teresa Poester nos possibilitam o deleite do desenho num mundo onde razão e sentimento encontram-se, muitas vezes, distantes. Teresa passou horas e dias e meses no atelier de Camille Pisarro, nas cercanias de onde trabalha, durante certos períodos, na França. Trouxe a paisagem de Eragny para dentro do papel e ofereceu-nos o encanto da floresta que habita em cada um de nós.
Ao vermos seus desenhos inundando a galeria branca em que mostrou suas últimas descobertas - somos também inundados pelo som, pelo cheiro e pelas formas que despertam os sentidos de crianças e adultos, iniciados ou não.
Teresa se compreende no desenho.
Meio inicial, mestre, medida de seu corpo, medida de entendimento de seu corpo com o que diz e expressa. O que Teresa expressa e diz com clareza é abstração no desenho, a linha, origem de todas as coisas. No entanto, utiliza a linha para nominar, se não tudo, quase tudo. E não se faz usar de artifícios, mas da linha pura. Abstração que não carece de explicação. Abstração que Teresa, com conhecimento de ofício, faz surgir de linhas, ao invés de percorrer a prática dos pintores ocidentais que deixam de figurar as coisas do mundo e emergem na abstração através da mancha.
Teresa retorna à cor mudando uma vez mais o rumo de seu trabalho, sempre com coerência. Em pequenas ou grandes folhas de papel, se lança em territórios brancos, que sabemos, sempre aterrorizam o artista no início da sua tarefa no atelier. Faz veladuras de linhas que se tornam quase manchas, verdadeiras capas, ora sutis, ora ríspidas, no desenho.
Surge o traço espontâneo fruto de um labor desmedido. Com a envergadura certeira da mão/braço/corpo, ela busca um ritmo próprio entre o risco grave, suave, longo, frio ou quente, numa composição cuidadosa que precede o momento certo, longamente perseguido, ainda que não premeditado, de finalizar a obra.
Laura Castilhos
Ilustradora, Professora de desenho no Instituto de Artes
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
Porto Alegre, 2008
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Texto para exposição de Gabriel Netto
Desenhos, Museu do Trabalho, Porto Alegre, 2009
Sujos e malvados, desenhos que explodem
Nessa época de certa assepsia visual, o trabalho de Gabriel Netto nos trás um pouco de sujeira, de barulho, de discórdia.
Seu desenho é uma caligrafia de garranchos, uma escritura malvada que mostra as marcas dos dedos e o suor da pele.
Gabriel tem essa vontade física de apalpar o material na palma inteira da mão, de atirar o corpo todo contra a superfície que o recebe, de esfregar a ponta do lápis no papel que rasga e geme em carne viva.
E nesse embate, salta o brilho do grafite nas linhas acumuladas pelos gestos repetidos. São laços, estilhaços e fagulhas que respingam no olho da gente.
A poesia do seu desenho vem do ruído rouco que sai de dentro e aflora à flor da pele num movimento rápido e cortante, num grito.
TP, Exposição Câmara Municipal, Porto Alegre, 2005
Revisado para Exposição Museu do Trabalho, Porto Alegre, 2009
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Texte pour l’ exposition de Marianne Channel (et TP)
17000 km en ligne, dessins / vidéo / installation
L' ARS 117, espace d’ art, Bruxelles, 2009
Marianne Chanel joue avec des images qui interrogent l’observateur. Toujours avec humour, elle crée des pièges pour notre perception en même temps qu’elle les dévoile. Elle montre les ambiguïtés de notre regard habituel. Un même signe engendre différentes significations. Dans la série de cette exposition, l’ artiste utilise des tampons de pomme de terre pour jouer avec des images de voiturettes. Mais, elle va au delà de la figuration. De loin, l’objet/signe devient un module de répétition pour créer une dentelle, un emmêlé de fils, un réseau de rues et autoroutes, une trame.
TP, Eragny-sur Epte, 2009
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Texto para exposição de Saura Maschio e Suzana Maino,
Acordes, o som da paisagem
Galeria de Arte Gerd Bornheim da Prefeitura Municipal de Caxias do Sul, 2008
Acordes, o som da paisagem
Antes de se dedicarem mais assiduamente à atividade artística, Saura Maschio foi professora de matemática e Suzana Maino trabalhou no Banco do Brasil durante muitos anos. Encontraram-se em 2000, no NAVI, Núcleo de Artes Visuais de Caxias do Sul, que hoje comemora vinte anos.
Desse encontro nasce a afinidade, na vida e no trabalho, cujos acordes, que agora nos mostram, constituem o fiel resultado. Acordes são notas diferentes que, tocadas ao mesmo tempo, produzem um único som. No caso desta exposição, o som provém da paisagem, ponto comum entre as expositoras e as diferentes atividades que realizam: desenho, pintura, fotografia e, particularmente, jardinagem.
Muito se tem falado sobre a arte dos jardins. Dizem os orientais que basta a um homem conhecer seu jardim e terá cumprido o destino de toda uma vida. Cada cultura e cada indivíduo se apoderam do espaço natural à sua maneira. O jardim, natureza bruta, artificializada pela necessidade humana de ordem e estética, parece uma boa metáfora da idéia de arte.
Inúmeros foram os pintores e poetas que encontraram no jardim a sua inspiração maior. Sabe-se que Monet escolhia suas flores e cores, criando, ele próprio, a instalação viva que lhe serviria de modelo. Sabe-se também que, apesar da valorização que sofreu na história recente da pintura ocidental, o jardim é ainda um motivo tabu para muitos artistas, impregnados do preconceito que o associa à pintura decorativa de amadores, “peintres du dimanche.” (1)
Enquanto a flor constitui um motivo milenar na pintura chinesa, no ocidente aparece como pano de fundo dos afrescos antigos e iluminuras medievais e se torna, especialmente a partir do barroco, parte de um gênero menor: a natureza morta. Com o romantismo e a valorização da aquarela, da pintura ao ar livre e da paisagem; plantas e flores se tornam um assunto, como qualquer outro, numa pintura que já não prioriza o motivo, mas a maneira de pintar.
As peônias brancas de Manet, flores cuja duração efêmera traduz a rapidez da beleza e da vida, são um exemplo dessa transformação, assim como as flores de Redon e Van Gogh que nos mostram o drama do pince que já anuncia a abstração. Mais recentemente, os desenhos de Kelly, o vigor das flores esculpidas nas telas de Barceló ou a força gigantesca das novas peônias de Cy Twombly (2), mostram que pintar flores continua sendo um desafio, mesmo e especialmente, para os artistas mais maduros.
Tive a alegria de trabalhar com Saura Maschio e Suzana Maino no meu atelier, em Porto Alegre, procurando contribuir na reflexão sobre o trabalho de cada uma. Atualmente, resido na França, onde pude conhecê-las melhor, visitando museus e exposições. Descobri, aqui, a curiosidade que as incita e, entre acordos e desacordos, a maneira harmoniosa como se relacionam. Mais recentemente, estive em Caxias para ver o espaço da Casa das Artes e planejar com elas esta exposição, já que não poderia estar na montagem. Visitei as casas e, sobretudo, os jardins de Saura e Suzana. Percebi, com satisfação, até que ponto a entrega à atividade com a terra e as plantas é, neste caso, indissociável do processo artístico. Penso na sinceridade desse trabalho das mãos em contato com a terra e os materiais de pintura em relação à máquina complexa dos sistemas de arte. Lembro da declaração de David Hockney, quando mostra sua satisfação em pensar que, durante a última guerra, enquanto o mundo se massacrava em conflitos e trincheiras, Henry Matisse pintava seus vasos de flor. Saura e Suzana trabalham com arte como cuidam diariamente de suas flores, movidas pelo afeto e por uma necessidade de descobrir e descobrir-se.
Suzana Maino desenha e Saura Maschio, através da fotografia impressa do papel transfer sobre uma massa acrílica, mostra um resultado mais próximo da estampa e da pintura do que do desenho. Entretanto, ambas chegam a soluções que se acordam, para além da temática, no tratamento formal. Criam texturas visuais, pedaços da paisagem vista de perto, de uma relação íntima com a natureza.
No trabalho de Saura, as linhas, gravadas em baixo relevo, como ranhuras de um alfabeto braile, criam uma textura táctil e ficam quase imperceptíveis visualmente. São sulcos que, assim como as manchas de cor, vestígios da impressão fotográfica, marcam a camada grossa e branca de massa acrílica. A superfície é áspera e seca como a terra dos barrancos que fotografa. Seus trabalhos monocromáticos, ou quase, criam ainda uma ressonância cromática com os desenhos de Suzana, entre o preto e o branco.
No caso de Suzana, a textura é puramente visual, criada pelo emaranhado das linhas. A natureza, mais que motivo, é motivação. Usa a tinta nanquim mais ou menos diluída, criando linhas de diferentes tons na gama de cinzas que torna o resultado sutil. Risca com canas de bambu ou peninhas de metal de diversos formatos para obter a variedade de espessuras e de movimentos. Acentua certos pontos de foco, quando existem, com valores de maior intensidade de preto. Matérias diferentes deslizam de forma diferente sobre o papel liso, que normalmente utiliza. É preciso conhecer e gostar de desenho para penetrar no mistério do gesto que está atrás das linhas de Suzana. Sua caligrafia é sentimento puro, de difícil tradução.
Que a exposição, vista de perto, possa traduzir, em acordes delicados, as paisagens de cada uma.
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(1) Pintores de domingo ou de fim de semana
(2) Exposição de Cy Twombly 2007, Museu de Arte Contemporânea de Avignon
Eragny sur Epte, novembro de 2008
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O tempo de Laura Castilhos
Texto publicado na Revista da Sociedade Psicanalítica do Rio Grande do Sul em novembro de 2008 a partir da aquarela Relógios de Laura Castinhos ( capa da mesma revista)
Laura Castilhos, embora com uma trajetória considerável como artista plástica, há alguns anos dedica-se mais assiduamente à ilustração. Este trabalho feito a nanquim - técnica que, assim como a aquarela, faz uma ponte entre o desenho e a pintura - parece ser uma ilustração do tempo. As ampulhetas e os diferentes estilos de relógio nos mostram as várias formas de marcar um tempo que não é único, mas múltiplo. É significativo que tenha escolhido a tinta líquida para expressar esse tempo que escoa sobre o papel. Não se apaga a mancha da nanquim como a do óleo ou a da tinta acrílica. Como a aquarela, a nanquim é a técnica irreversível do ritmo da vida.
O tempo é uma abstração, uma construção humana, o que existe é o espaço e as transformações da matéria que ocupa esse espaço. Os ponteiros do relógio que mudam de lugar, os grãos de areia que caem graças à força da gravidade, as pinceladas do desenho que traça sua marca no papel. Desenhar é registrar imediatamente a passagem do tempo em cada ponto-instante que esvai.
E, como cada coisa tem seu tempo, a chuva, o carrossel, a borboleta, o tempo de Laura Castilhos é anotado nesses desenhos/pinturas que ela tem nos presenteado ao longo dos anos, cheios de uma ternura e de um encantamento que tornam nossos instantes mais leves.
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Texto para exposição de Fernanda Manea
Intervenção Urbana: da gênese à efemeridade do desenho sob o olhar da cidade
Guarulhos, SP, 2008
Desassossegos
Diante desses trabalhos de Fernanda Manea, temos dificuldade em estabelecer um critério que assegure a unidade formal. Certos artistas transmitem esse incômodo ao recusarem um padrão, um alívio; sempre em desacordo com as soluções adquiridas.
Fernanda foi minha aluna em várias ocasiões. Com uma habilidade rara para o desenho, poderia ter optado por um virtuosismo estético, mas não. Começou pela paisagem, rapidamente se aventurou pela abstração e logo por outras encruzilhadas. Nunca se fixando por muito tempo num ou noutro procedimento, seja técnica ou formalmente, nem numa determinada temática, contagiava-nos, a todos, com sua insatisfação. Difícil filtrar essa abundância dos que têm muitos recursos, dos que descobrem o mundo e têm mais a dizer do que podem conter nas mãos.
Para Fernanda, mais do que o produto, era preciso algo que desse sentido ao processo.
Depois de muitos desassossegos finalmente decidiu veicular seus trabalhos como intervenção em espaços urbanos, especialmente, em locais abandonados. O fato de mostrá-lo agora uma exposição pode ser contraditório com este propósito. No entanto, é mostrando na rua que Fernanda alimenta sua prática no atelier. É também desta forma que seus vários caminhos se encontram: na diversidade do que vemos todos os dias nos muros da cidade.
TP, Eragny sur Epte, junho 2008
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Texto para exposição de Fernando Karan
Arredores, desenhos e aquarelas
Galeria Arte e Fato, Porto Alegre, 2007
Arredores
Fernando Karam, entre outras atividades, tem mostrado seu trabalho de desenho em Bagé, Porto Alegre e outras cidades do Rio Grande do Sul e Uruguai. Sua trajetória de quase 30 anos inclui prêmios com fotografia, desenho e poemas, além de passagem pelo teatro, ilustração e artes gráficas. Em 2002 criou a loja/atelier Marca da Terra em Bagé, mostrando sua produção pessoal num trabalho que se expande para arte aplicada e mostra a riqueza da cultura de sua região. Fernando, também veterinário de formação, mudou-se há um ano para Porto Alegre onde trabalha no IPVDF.
Ao contrário de tantos artistas, Fernando Karam nunca quis ir para o exterior, seu movimento foi inverso, voltar para o interior de si mesmo e dos interiores de Bagé. Depois de muitas andanças, viveu nestes últimos vinte anos em sua terra natal, por escolha e teimosia. Desenhista, poeta e veterinário de profissão, seu trabalho se arredonda num único propósito: falar de sua aldeia.
Mas falar de sua aldeia é falar do universo se existe o domínio da língua, saber torná-la encanto. Suas aquarelas são pra quem gosta de desenho, da linha em dissonância com a mancha, da liberdade, do improviso, da sutileza. Fernando tem ouvidos para a terra, aprendeu sozinho, com o silêncio das coisas, com a irmandade e a solidão de quem contempla lonjuras.
Esses desenhos de agora são, na sua maioria, da periferia de Bagé, dos bairros abandonados, das casinhas cachorro sentado, que tanto o fascinam, do pampa agora esquecido, da zona, dos arredores.
TP, Porto Alegre, outubro 2007
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Texto para exposição de Adauany Zimovski
Desenhos
Museu do Trabalho, Porto Alegre, 2007
Improvisos
Os desenhos e pinturas de Adauany Zimovski alcançaram cedo a maturidade, tensão entre rigor e liberdade, matéria de toda produção artística. Entre mancha e linha, seu trabalho mescla construção geométrica e informalismo, na tradição da pintura abstrata.
Em gestos largos, traços soltos, massas compactas, o preto e o branco compõem improvisos melódicos utilizando instrumentos pobres como lápis, papéis de embrulho ou guardanapos.
Adauany faz parte desses artistas que dominam a técnica de seu oficio a ponto de esquecê-la.
Desmistificam a criação. Deixam, no observador, a vontade de experimentar.
São artistas que parecem desenhar sem esforço, pintar de ouvido, sentir-se a gosto no espaço do papel.
E recebemos, através da vista, esse gosto: mistério da arte.
TP, Eragny sur Epte, junho 2007
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Texto para a exposição coletiva
Designos, Bienal B
Sala Augusto Meyer, CCMQ, Porto Alegre, 2007
O desenho manual hoje não constitui uma prerrogativa indispensável a todo trabalho artístico. O desenho, para o artista contemporâneo, é uma escolha, um desejo, um desígno. Na prática do desenho, assim como na palavra desígno, está contida tanto a idéia de intenção quanto a idéia de acaso, destino.
Se estes 12 artistas foram designados, pelos organizadores da bienal B, para ocupar um mesmo espaço, a escolha se deve à linguagem do desenho que, de maneira mais ou menos evidente, se manifesta em todos os trabalhos. Alguns se mesclam à pintura ou às técnicas de frotagem, dobradura, e colagem. Outros se referem ao desenho como uma sombra projetada na parede, o que remete ao mito de sua origem, contorno da sombra deixada pelo amor ausente.
A montagem procurou agrupar estas diferentes abordagens num todo harmonioso.
TP, Porto Alegre, 2007 ( texto revisado em 2009)
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Texto para o site de Laura Castilhos
www.lauracastilhos.com.br
Acalantos
Laura Castilhos experimentou desde gravura, desenho, pintura até a confecção de caixas, objetos e esculturas. Trabalhei com ela em diferentes lugares e situações. Tempos difíceis e esse mesmo frescor em tudo o que faz. Suas aquarelas ainda têm gosto de sorvete: O cachorro, A árvore, O vaso de flores... Nas ramificações que a vida lhe foi proporcionando - como desenhista, ilustradora ou professora - sempre manteve uma tranqüila convivência com o que faz, convivência rara num momento onde os valores são tão incertos. Sempre se recusou a entrar num quadro, numa tendência. O resultado de seu trabalho está impregnado dessa vontade simples de compartilhar o olhar. Seu trabalho revela uma filosofia profundamente coerente com a desmistificação de uma arte eloqüente de origem ainda renascentista. Ela sabe muito bem a que veio e ao que, absolutamente, não veio. Suas aquarelas e desenhos têm, como a poética de Prévert ou de Chagall, a magia que aproxima crianças e adultos. Suas imagens revelam a liberdade na construção de um caminho cujas marcas são esses pequenos objetos, imagens, contos visuais que, contrariando à noção da pintura destinada a «espaços públicos», no caso de Laura, sempre dão vontade de levar com a gente, acarinhar e «acalantar» as paredes da casa.
No seu trabalho como ilustradora a narrativa visual se impõem de tal forma que não se sabe o que vem antes, texto ou imagem. De uma trajetória considerável como artista plástica resulta essa ilustração tosca, talhada a machado e cheia de uma ternura que vem da inteligência das mãos em intimidade com os mais diversos materiais.
TP, Eragny sur Epte, abril 2007
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Texto para exposição de Letícia Lau
Onde está o que você vê?
Galeria do DEMAE, Porto Alegre, junho de 2006
Onde está o que vemos?
Não há melhor maneira de nos unirmos ao mundo,
nem de nos afastarmos do mundo,
do que através da arte.
Goethe.
A partir da pop–art, alguns artistas se referem a certas imagens-ícones que sintetizam os principais acontecimentos da nossa época procurando evidenciar seus múltiplos significados e, especialmente, denunciar sua banalização. Recentemente, uma série de desenhos de Vicky Muniz registra o que lhe ficou retido destas imagens, mostrando que a memória é enganadora, fugidia e diferente para cada um de nós.
Algumas dessas mesmas imagens servem agora de referência ao trabalho de Letícia Lau que, como poucos artistas de sua geração, soube inventar um artefato em forma de caixa-janela para brincar com coisas sérias.
Entre o visível e o invisível, entre o artifício e o mundo real, o trabalho de Letícia nos fala das janelas virtuais que passam a invadir o nosso cotidiano a ponto de não sabemos bem se existe mesmo o que vemos, e, afinal, onde se encontra a verdade do que vemos através de tantos aparatos.
E esta jovem artista usa do truque, da malícia, para criar um trompe l’oeil, que acaba nos reconciliando com a função tradicional da arte: criar ilusão e, ao mesmo tempo, desvendar essa mesma ilusão.
TP, Porto Alegre, 2006
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Texto para exposição de Claudia Hamerski
Troncos
Espaço Ado Mallagoli, Instituto de Arte, UFRGS, Porto Alegre, 2006
Troncos
Árvores são alicerces, marcas de apoio quando nos afastamos de nossas referências. Claudia Hamerski se afastou há pouco dos seus pagos (1), no interior do estado, para vir estudar Artes no IA. Vive em Porto Alegre, capital mais arborizada do Brasil, mas sabe que as árvores daqui são outras, que as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá (2), na paisagem que deixou.
Seus troncos, suas raízes, ela os recria e os reorganiza em partes, através do desenho. Emprega os materiais mais simples para falar da simplicidade da terra, seiva que nos alimenta a todos e de onde tudo provém. Compõe uma rede de rugas na pele do papel. São troncos e traços que se encontram e se afastam para formar um todo composto e recomposto como um jogo feito de módulos, pequenas peças tramadas continuamente pela memória num emaranhado de nervos e fios.
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(1) Paisagem de origem
(2) Extraído do poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias (1823 – 1864)
TP, Porto Alegre, 2006
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Texto para exposição de James Zortéa
Fissuras do desenho
Museu do Trabalho; Porto Alegre, 2006
Fissurados por desenho
Fissurado pelo desenho, fissura na ponta da faca, este trabalho de James Zortéa se faz urgente à sua rotina em frente ao computador, como designer e vídeo maker.
A partir de um ambiente de assepsia, entre a mão e o artefato, James nos mostra o contraponto necessário a uma geração que quase esqueceu de usar as mãos para imprimir sua vontade em direto sobre a matéria do mundo. Esses desenhos, no Museu do Trabalho, sabem que as mãos têm vontade própria, poros abertos, inteligência e sensibilidade.
Na sala maior, linha e mancha, desenho e pintura se unem para iniciar uma lambança à base de piche ou betume em pasta, material que, embora solúvel em água, lembra graxa, asfalto, cheiro de oficina mecânica. Na sala menor, há uma espécie de gabinete desordenado de antigos desenhos, colagens, bastidores de pequenos trabalhos como origem destes mais recentes.
Os trabalhos maiores têm essa cor de sujeira, de piche misturado a lápis grafite, do preto do pastel e do branco da tinta. Num primeiro momento, o desenho é lançado em golpes da faca que lasca, feito lenha, a superfície da tela, como uma necessidade de conquista do corpo, através da luta. Mas, pouco a pouco, a intenção apaziguadora ameniza os golpes, organiza o acaso e transforma a superfície num outro corpo-desenho que adquire força física e passa a pulsar entre nós.
TP, Porto Alegre, abril 2006
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Texto para exposição de Eny Schuch , Rafael Oliveira e Jorge Aragão
Articulações visíveis
Espaço de Exposições, Universidade Federal de Santa Catarina
Pinacoteca do Instituto de Artes, UFRGS
Florianópolis e Porto Alegre, 2006
Articulações visíveis
A instalação articula som, imagem e espaço, de modo a criar diferentes ritmos. O observador, ao clicar as imagens, pode transformar o trabalho durante a sua projeção, quebrar o compasso em andamento, modificar a seqüência, abrir possibilidades de leitura, articular novos movimentos.
Neste recital a três, Eny Schuch cria e manuseia as imagens virtuais, o jovem músico Rafael Oliveira articula o som e o arquiteto Jorge Aragão trabalha na concepção técnica de um aparato que possa projetar o trabalho no espaço da sala. A instalação é interativa desde a concepção compartilhada pelo grupo até a interação com o espaço da galeria de arte da UFSC e, finalmente, a participação do observador.
Elevadores são caixas de botões, claustrofóbicos, apertados, coletivos e interativos. Mas, mais do que metáfora de espaço, o motivo funciona aqui como textura visual e confere a unidade formal e semântica que vem sendo marcante nos vídeos de Eny Schuch.
As imagens, vislumbradas entre abrir e fechar de portas, são paisagens frontais que deslizam no sentido vertical da tela, entrecortadas por linhas horizontais, e criam uma rede ortogonal em permanente movimento. Elevadores como lugares de passagem. Difícil fugir de referências da história da pintura. Difícil, neste caso, não falar das grades de Mondrian que seguem a geometria ortogonal dos paisagistas do século XVII. Não lembrar ainda que a paisagem, como motivo, proporciona a abstração na pintura do século XX e que, neste processo de abstração, a música tem importância fundamental. Sabe-se que os primeiros abstratos, como Kandinsky e Paul Klee, foram músicos e que a trajetória de certos pintores do período tem paralelismo nítido com compositores modernos. Se o ritmo na pintura de paisagem é dado pela articulação entre horizontais e verticais, nesta instalação, a este ritmo se somam ainda imagem, som e movimento. O espaço vazio e o silêncio são suportes para a ação, convite à participação dos visitantes.
TP, Porto Alegre, 2006
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Texto para exposição de Antonio Augusto Bueno
O anotador de Faces
Fundação Franklin Cascaes
Florianópolis, 2006
Desenhos que Explodem
Assim como Giacometti perseguiu a forma cabeça durante toda sua vida, Antonio Augusto, há muitos anos, desenha cabeças. A cabeça o obstina.
Mas seus desenhos, muito mais do que cabeças, são escrituras pintadas, lances de espada, pedaços de pólvora feitos de grafite, estalar de músculos que arranham o lápis no papel e na tela.
Antonio, também como Giacometti, centra seu pensamento e seu gesto no desenho mesmo quando pinta ou se dedica à escultura.
Tem o temperamento do artista autentico, avesso a modismos, obsessivo, cabeçudo mesmo.
Seus desenhos em grandes formatos insistem em conservar ainda a forma fechada da cabeça reconhecível mesmo que os grafismos que se depreendem no espaço da folha estejam cada vez mais fortes e adquirindo maior autonomia no tratamento.
É aí, quando a linha se solta e se torna devaneio, que passeamos os olhos num território de delicias e surpresas, cidades fantásticas,lugares de ficção e fantasia. E ficamos absortos a percorrer estes descaminhos do desenho de Antonio, estas encruzilhadas que parecem sair do seu controle.
Os traços verticais, feito chuva, irrompem no espaço e marcam a superfície como uma faca de lâmina afiada. Os traços são agudos. Dá a impressão de que as cabeças estão querendo literalmente explodir, livrar-se dos contornos que ainda as aprisionam.
E ficamos aguardando, ansiosos, os estilhaços desta explosão.
TP, Porto Alegre, 2006
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Texto para exposição de André Venzon
Lugares Perdidos Cidades Encontradas
Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, Universidade Federal de Pelotas
Pelotas, 2005
André Venzon começou pelo curso de Arquitetura, como tantos artistas visuais, para chegar depois ao Instituto de Artes onde estuda atualmente. Vive e trabalha no antigo 4º distrito, zona norte de Porto Alegre, bairro Navegante, onde nasceu. Neste local, se estabeleceram, ao longo de muitas décadas, importantes indústrias da capital.
É nesse espaço meio vago entre a cidade e a periferia, corredor de passagem onde, vindos do interior do estado, em geral, chegamos pela primeira vez à capital ( e depois, tantas outras vezes saímos e chegamos, quer via aérea, já que é também caminho para o aeroporto, quer via terrestre) que André fixa os alicerces de sua arquitetura.
Se o lugar de dia parece abandonado, submerso, com seus velhos e prostitutas, de noite, é onde pulsa a vida da cidade. E também neste bairro onde, paradoxalmente, se realiza a festa religiosa mais importante da região.
Pode-se dizer que André Venzon, se valendo de múltiplos recursos, é um paisagista, na acepção contemporânea do termo.
Sua trajetória já mostra que o um artista que procura na sua própria paisagem um espaço de identidade. Ele parece compreender bem que este espaço precisa ser constantemente reinventado; alimentado por aqueles que ali habitam. Suas constantes intervenções procuram uma interação com os indivíduos que são, em realidade, os verdadeiros construtores do lugar.
Nesse sentido, André parece conhecer o papel do artista, seus limites e possibilidades, como agente social, intermediário entre o que é publico e privado. Essa preocupação mostra o conflitos de um jovem que convive com a falta de fronteiras, espaços virtuais, território neutro comum onde perdemos, pouco a pouco, nossos contornos.
Se, não podemos mais separar o conceito de paisagem nas suas varias abordagens, estética, antropológica, geográfica ou ecológica, preservar a paisagem torna-se, antes de tudo, aguçar a percepção de quem a constrói.
TP, Porto Alegre, abril 2005
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Texto para exposição, foto/instalação, de Leandro Selister
Tique Taque
Galeria Iberê Camargo, Centro cultural Usina do Gasômetro
Porto Alegre, 2004
Tique taque
tremor das pequenas coisas
Segurar um passarinho na concha meio fechada da mão é terrível,
é como se tivéssemos os instantes trêmulos na mão.
Clarice Lispector
A paisagem acompanha Leandro Selister em suas diferentes formas de expressão. Assim como os primeiros fotógrafos, que vieram quase todos da pintura, transportaram para o novo meio o mesmo olhar, este artista trás também da pintura o tratamento que confere às suas fotografias. Não há, nos seus trabalhos recentes, uma preocupação com o apuro técnico nem com os recursos expressivos da linguagem fotográfica. A câmara converte-se num instrumento narrativo. As imagens contam historias, compõe pequenos poemas. A delicadeza está na escolha e no tratamento das novas paisagens, cantos de intimidade, esconderijos onde pousa e repousa o olhar.
Leandro Selister nos mostra o movimento das coisas de dentro da casa. Determina cortes precisos. Fixa o instante para apertar o botão e congelar cada cena. Quebra a seqüência natural do tempo. O que acontece entre um minuto e outro, um segundo e outro, é o mistério da vida encerrado talvez nas frações imperceptíveis de uma outra dimensão de tempo que não percebemos. Não se trata aqui da representação real em 24 quadros por segundo. O fotógrafo cria a seqüência de instantes conforme um ritmo particular, seu modo de perceber a natureza em constante transformação. De dentro da casa, Leandro Selister torna-se uma espécie de guardião do tempo, vigia cada movimento do mundo como um voyeur atento e cuidadoso.
Em frente a sua janela, um sabiá insiste em construir seu ninho sobre um pedaço de calha de alumínio. Para não ser percebido, durante quase três meses o fotógrafo registra as peripécias do passarinho através de uma pequena abertura improvisada entre papéis colados sobre as vidraças. Mas a calha, dura e lisa, não prende direito os galhos e o ninho incipiente cai e se desfaz muitas vezes. Movido pela força da vida e da esperança, o bichinho, como num trabalho de Sísifo, reconstrói árdua e inutilmente sua morada até que os vizinhos colocam um arame para que os galhos fiquem presos à calha. O pássaro pode finalmente chocar seus ovos com segurança. A chegada dos filhotes é esperada com entusiasmo. Aos poucos, três bicos quase imperceptíveis surgem do ninho para receber o alimento e descobrir a luz. Ao cabo de alguns dias, apenas um dos recém nascidos sobrevive.
Como medir no tique taque do relógio a pulsação do corpo, matéria elástica, fragilidade do instante que nos liga à vida?
Nesta série de imagens do cotidiano, os ponteiros da máquina fotográfica marcam o compasso alternado de vida e morte, os passos vagarosos das nuvens que surgem e desaparecem, da begônia que floresce e murcha para tornar a nascer. Será o tempo da flor ou da tartaruga o mesmo tempo da montanha? Cada coisa tem um ritmo próprio, exige um jeito para ser observada. O tempo interno precisa de liberdade para compreender esses diferentes ritmos.
A matéria prima deste trabalho é o movimento das pequenas coisas que a nossa velocidade interna, tanta vezes, nos impede de perceber.
TP, Porto Alegre, abril 2004
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Texto para a pintura de Adriano Rojas
Texto não publicado escrito por ocasião do falecimento de artista
Porto Alegre, 2004
Diz-se, com boa dose de razões, que, em pintura, como no vinho, “quanto mais velho melhor”.
É conhecida a longevidade dos pintores que contribui tanto para a qualidade como para a quantidade do legado de obras deixasdas.
Adriano Rojas faleceu aos 36 anos interrompendo um percurso justamente quando estava no ponto de partida para a renovação de um trabalho já extremamente maduro, num momento em que o vinho estava no ponto para ser degustado.
Ao contrário das linguagens mais recentes, o oficio do pintor, insere-se num contexto histórico cujas conquistas técnicas e formais parecem ter sido exploradas à exaustão. A escolha do métier , por si só, representa uma tomada de posição difícil em vários sentidos, na contra mão dos avanços tecnológicos e das tendências do sistema de arte. Cabe ao pintor contemporâneo a árdua tarefa de reafirmar e reinventar o ato de pintar a cada nova obra.
Nos anos oitenta e noventa, Adriano Rojas soube cercar-se das melhores influências. Suas pinturas, sempre a óleo e em grandes formatos, foram marcadas pela obra de De Kooning, Baselitz ou Basquiat , e, mais tarde, pelo humor de um Leonilson ou de uma nova pop-art.
Mais recentemente, essas influências se decantam numa síntese que mistura o kitch e o neoexpressionismo e mostram a ousadia de numa composição, aparentemente casual mas muito sofisticada. Esta série de novas telas revela um domínio no tratamento pictórico raro de encontrar nos pintores brasileiros . Seus últimos trabalhos constituem, mais do que uma promessa, um presente àqueles que esperam dos novos artistas, a revigorarão da pintura.
TP, Porto Alegre, 2004
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Texto para exposição de Fernando Karam
Aquarelas
Bagé, 2003
Limites: o tempo do olhar
A concentração, num processo criativo, exige a determinação de limites.
Fernando Karam fixa um período de tempo para realizar esta série de desenhos e aquarelas.
São dez dias, marcados no relógio, para apreender o olhar de todos os dias.
Dez manhãs e tardes com suas luzes e sombras que mudam a paisagem e se misturam com o ritmo das estações internas.
Seu trabalho nos fala de uma relação íntima com a paisagem, contemplação silenciosa que passa pelas mãos e que o desenho registra.
São gestos impregnados de uma ternura pela terra que, no caso de Fernando, mais do que a cidade natal é seu país por escolha e adoção.
Se a paisagem é uma construção de quem a contempla, esse artista sabe construir um lugar para o sonho e sabe nos fazer compartilhar de seus significados.
O lápis silencioso nos fala de cada fachada, cada árvore, pequenos cantos dessa caminhada que acompanhamos com o olhar. O artista é nosso guia nesse itinerário, dias em que a vista se aguça para captar o instante e nos fazer compreender que a força do hábito engana a percepção.
Alguns desenhos desta série são mais detalhados, outros beiram a abstração pelos movimentos soltos e rápidos. A cor é suave nos detalhes enquanto que os contrastes se tornam intensos com a rapidez do traço. Os tons pastéis dos casarios, janelas e ruas se contrapõem aos riscos pretos nos gestos mais largos.
Existem diferentes versos nessa escritura, partes de um conjunto poético formado por imagens.
O artista recusa a grandiloqüência dos grandes efeitos. No seu trabalho, as coisas mostram sua verdade da maneira mais simples. Temos a nostalgia do encontro solitário com as memórias. Ele procura a essência dessas sensações do cotidiano, tateando-as no papel.
O olho atento de Fernando nos torna agora meninos, a descobrir, neste diário de dez dias, os mistérios da infância, nas marcas das paisagens de Bagé.
TP, Porto Alegre, 2003
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Texte pour le livre de Dai Zheng
Du réel à sa transcription picturale : pour une nouvelle relation entre l’Orient et l’Occident,
Libraire-Éditeur You Feng, Paris, 2004
J'ai vu des peintures de Zheng Dai pour la première fois dans une petite galerie à St-Germain, des natures mortes qui rappelaient celles de Chardin. Je me suis étonnée de sortir émue de cette exposition. La peinture de Chardin ne m'a jamais attirée . Je ne m'attendais jamais à rencontrer, à la fin du deuxième millénaire, un travail à la manière occidentale du XVIIIème siècle venu d'une peintre orientale que je venais de connaître.
On venait de deux bouts du monde. Je viens de la frontière sud du Brésil avec l’ Uruguay.
Dai et moi, nous avons le même âge, nous sommes professeurs de peinture dans les universités de nos pays respectifs et nous avons fait nos études de doctorat en France sous la direction du même professeur. Petit à petit, cela nous a rapprochées. Même si, au début, on ne parlait pas bien le français, nous avons communiqué par la peinture. A partir de ce moment j'ai accompagné une intéressante transformation dans son travail. Au fur et à mesure où elle s'occidentalisait son travail retrouvait quelques références à la peinture chinoise. La nature est restée encore sa source d'investigation mais d'une façon radicalement opposée. Avant c’était la nature morte et maintenant c’est la nature vivante.
Elle cherche non plus sa représentation mais elle l'utilise comme instrument même du travail. Les arbres dans ses nouvelles peintures constituent une présence physique et métaphorique. Elle empreint leur texture sur la toile et évoque des branches qui suggèrent des arbres. Le trait du pinceau, traditionnellement lié au contrôle du geste dans la calligraphie chinoise, est présent dans la subtilité des lignes fines qui apparaissent comme contrepoint à l’aspérité de la texture des arbres. Elle mélange maintenant deux visions et deux traitements de peinture . Ses mouvements sont soigneusement libres et contrôlés par la délicatesse de ses mouvements. Les arbres établissent des ponts entre le ciel et la terre, l’ introspection et la transcendance. Dans une culture si différente de la sienne les arbres apparaissent comme racines, signes d’une écriture d’exil.
TP, Paris 2003
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Texte pour le catalogue d’ exposition de Maristela Salvatori
Gravures
Galerie Michèle Broutta, Paris, 2000
Ce n’est pas un hasard si Maristela Salvatori a choisi la gravure en métal comme moyen d’expression il y a une quinzaine d’années de cela. Il existe une résonance étroite entre son sujet et la technique dont elle se sert pour le fixer. A travers un métier qui résiste encore aux moyens actuels de reproduction d’images, elle montre des vieilles usines désaffectées dans la périphérie de la ville. Ces bâtiments sont là dans les quartiers oubliés de Porto Alegre ou de Paris, sans aucune fonction, comme objets mêmes de l’abandon.
Pour les appréhender, elle commence par faire des esquisses sur place en se servant de la
photographie, elle sélectionne ces images et ensuite les grave méticuleusement sur la plaque de cuivre. Si la photographie fait ici une première coupure du temps, on peut dire que la gravure le fixe une deuxième fois à travers la profondeur des lignes.
Il n’y a pas d'espace pour l’excès dans son travail. Les contraintes de la technique contribuent à cette sobriété et la simplification des formes cherche à obtenir le " maximum avec le minimum " des ressources.
Attirée par la géométrie qui épure la saleté des grandes villes, elle utilise des contrastes de
plus en plus subtils, témoignant de la résistance du béton, solide et grave.
Les images nous évoquent l’abandon des dimanches après midi à Porto Alegre, une sensation que tous les dimanches se ressemblent. Le soleil dessine ses formes sur le port où rien ne bouge dans le temps suspendu.
L’atmosphère qui émane de ses travaux, nous fait partager cette sensation, parfois insupportable, de torpeur.
TP, Paris 2000
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Texto para a instalação de Jorge Menna Barreto e Clarissa Motta Mello
Tell-me a story
Projeto Relógio do sol 98: Proibido não tocar
Casa de cultura Mario Quintana, Porto Alegre, 1998
Tell me a story
Novelos coloridos de fios colocados nas mesas do café concerto da CCMQ.
Clarissa e Jorge transitam no território da poesia visual contemporânea. Recuperar um olhar para as coisas é sempre o exercício do despojamento.
Esses artistas nos convidam aqui a compartilhar das tantas historias que os objetos, novelos e linhas, associados à idéia de bar, nos propõem. Desenredar cuidadosamente os fios viciados da nossa percepção. Fios que desenham no chão, nas mesas, que envolvem nossos corpos e nos prendem às cadeiras. Entre fronteiras, linhas cruzadas, limites tênues de encontros ainda possíveis.
Um mapa simbólico de territórios e ilhas. Ei-nos aqui, no bar, ilha de náufragos...
Através desses pequenos objetos, aparatos, Jorge e Clarissa nos trazem de volta à idéia primeira do bar, as conversas interrompidas, as reticências, os burburinhos, os suspenses, as pausas, as entrelinhas.
A idéia é lúdica, como são lúdicos os poetas do cotidiano que falam com a clareza das crianças, simplicidade que desmascara e aponta canais ainda possíveis entre nós e nós, e nós e as coisas.
TP, Paris 1998
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Texto para a exposição de de Jorge Portanova
Pinturas/ colagens, Galeria Casa 26
Porto Alegre, 1998
Noturnos
Esta exposição é o resultado de um projeto de graduação em pintura que Jorge apresentou na Pinacoteca do Instituto de Artes em dezembro de 1997.
Tive a feliz oportunidade de acompanhar seu trabalho e compartilhar de suas idéias. Sua trajetória de vida me causava curiosidade e admiração. Ele havia desistido de uma carreira ativa como arquiteto para aventurar-se como pintor. Não conseguia mais submeter-se às imposições das encomendas, queria propor seus próprios limites e abandonar-se aos descaminhos do acaso, inerente a todo ato de entrega. Numa decisão madura que implicou em grandes renúncias, abandona a vida segura para se dedicar, justamente, à idéia de abandono.
Escolhe alguns exemplos de seus materiais de rotina para montar um jogo onde as formas, cores e texturas se fundem numa linguagem que se converte em pura pintura. Pedaços de papelão corrugado, selos de cigarro, estampas velhas, etiquetas e papeis descartáveis fadados ao lixo, são recortados e colados à tela. A encáustica os reveste de uma camada de cera translúcida que uniformiza a superfície do quadro. A geometria e o rigor arquitetônico compõem os espaços, agregando estas formas regulares de procedências distintas que se integram num mesmo território. Os grandes e pequenos quadrados, as cores baixas e as luzes veladas criam uma atmosfera noturna, tensa e grave que restitui nobreza e sobriedade aos materiais.
Este é, afinal, um dos grandes objetivos da arte: oportunizar um novo olhar sobre as coisas, registrar sua passagem no tempo e humanizá-las, através do gesto ou das escolhas, desbanalizá-las, conferir valor a um universo carente de valores.
TP, Porto Alegre, 1998
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Texto para projeto de exposição de Leandro Selister
Paisagens
Texto não publicado
Porto Alegre
Paisagem
A fotografia importou da pintura no recorte da visão da realidade, o enquadramento, a luz e os recursos da linguagem visual plana.
Assim como os primeiros fotógrafos, que vieram quase todos da pintura e transportaram para o novo meio o mesmo olhar, Leandro Selister é um fotógrafo que pinta, ou, para seguir a cronologia, um pintor que fotografa.
A Paisagem, como motivo fotográfico, foi protagonista desde os primeiros experimentos com a câmara escura. O século XIX caracterizou-se pela escola paisagística, tanto na pintura como na fotografia ainda incipiente.
O termo paisagem pode ser pensado no francês como pays-âge, pays como lugar de origem, a idade do lugar. A identidade de um povo, pode ser representada pela sua paisagem natural e pela sua forma de interferir nesta natureza. A história dos jardins e parques nos mostra diferentes concepções paisagísticas conforme as características de cada cultura e de cada época. A ordem detalhista dos jardins franceses, os vastos gramados dos parques ingleses, o exagero rebuscado dos bosques italianos, são exemplos de como a identidade nacional se expressa através das diferentes maneiras de interferir na natureza.
Porto Alegre é a capital mais arborizada do Brasil. Leandro é fascinado por árvores e parques.
Sua câmara conta um pouco da história desta cidade através de sua paisagem. A idade do lugar, o tempo com suas marcas na textura das plantas, a presença do homem na concepção dos parques, o coração verde deste lugar.
Seu trabalho não é movido pelo preciosismo da técnica mas pela atmosfera que proporciona ao observador na escolha dos motivos. São cenários envolvidos em uma névoa de sonho, pequenos esconderijos para o repouso da vista. Sua lente convida o observador menos atento a descobrir as delicadeza de seu percurso cotidiano.
São fototografias em que nada acontece, tudo é espera e lembrança do que foi. Momentos entre o antes e o devir. A figura humana é ausência. A imagem fixa o silêncio. O espectador completa o quadro-paisagem através da da imaginação. São manchas e texturas extraídas da realidade que o olho desenha no papel. E é o mesmo olho, a lente que acompanha o artista em todas as suas formas de expressão.
TP, Porto Alegre, 1997
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Texto para pinturas de Marilice Corona
Catalogo da exposição de Marilice Corona, Luiz Felkl e Teresa Poester
Galeria 24 de outubro
Porto Alegre, 1997
Que sentido tem a pintura senão registrar o gesto que é parte da nossa dança de todos os dias, ser o carimbo do movimento do corpo, conferir a cada objeto sua dimensão poética?
Há qualquer coisa entre Marilice e a pintura que nos revela essa relação de entrega que só possuem aqueles para quem a linguagem se constitui num problema e numa obsessão.
Sua poética vem sendo construída num ritmo lento e revela um ritual que se faz presente e nostalgia.
A geometria da repetição contém o improviso das pinceladas. A variação maior entre as figuras, quando ocorre, acentua a estrutura rítmica e convida o observador para o deslocamento do olhar para longe e para perto. As grandes áreas, que atuam como cenários para pequenos versos narrativos, enfatizam o contraponto entre a linguagem como representação e como auto-referência, esse limiar onde o pintor contemporâneo se situa e se questiona.
TP, Porto Alegre, outubro 1997
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Texto para pinturas de Luiz Felkl
Esculturas
Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, Universidade Federal de Pelotas
Pelotas, 1997
Esculturas de Luiz Felkl
A idéia intencional de repetição, o revestimento das superfícies, a profundidade do olhar e as pequenas dimensões que contém as figuras modeladas por Luiz Antonio Felkl, são fatores que lhe conferem uma série de atributos.
São trabalhos repletos de ambivalências. Suas figuras nos propõem um jogo onde convivem a verdade e a mentira, a realidade e o simulacro. Os personagens repetidos criam cenários que enfatizam uma tensão entre arte popular e erudita, pequenas instalações que transitam nesses limites incômodos entre territórios não definidos, conceitos imprecisos.
Ao manipular um meio tão inicial como a modelagem em argila, o artista aponta alguns questionamentos nas relações da representação artística e do objeto representado. O confronto entre o real e a miniatura é cuidadosamente pensado através do confronto entre o olhar dos personagens e o olhar do espectador que se encontram na mesma altura.
O conjunto das peças que se repetem gera novos cenários, novos contextos e possibilidades de visão. Há uma discussão sobre o espaço, sobre as relações entre o cheio e o vazio, o cenário e a figura.
Há aqui múltiplas armações e armadilhas. Somos convidados a refazer as relações e criar diferentes narrativas que nos remetem ao passado e ao presente, numa poética que propõe um jogo onde cada peça estática espera o olhar do espectador.
TP, Porto Alegre, maio 1997
O jogo armadilha de Luiz Felkl
Texto não publicado
Que artista está atrás desse trabalho, na geometria do seus gestos repetidos?
Penso na escultura de bibelôs, nas maquetes, numa escala para os olhos que contrapõe a idéia de espaço para o corpo. O trabalho é o que se vê de fora, sem adentrar o corpo. Incita a intimidade, o devaneio da imaginação. E é, sobretudo armadilha, nas montagens de Luiz Felkl.
Se a palavra plástico, nos remete, originalmente, à idéia de modelagem; Luiz é o que se pode chamar um artista plástico por excelência. Quem o observa trabalhando, atento às mãos e pensamentos, pode perceber como constrói seu universo em miniatura alheio ao ruído das discussões em torno dos conceitos de arte.
Luis gosta do detalhe e do anedótico. Seu trabalho é minucioso desde o momento da confecção, quando queima cuidadosamente a argila que se transforma em biscuit até a pintura das figuras.
As peças construídas a partir de uma mesma forma, nunca se repetem, embora funcionem, no conjunto, como módulos de uma textura.
O artista cria uma espécie de sistema onde o micro repete o macro. A justaposição do pequeno cria uma perda, a forma se transforma em módulo de repetição. Na multidão das massas, que espaço existe para o infimamente pequeno? Nas figuras de Luiz, o olhar se acomoda a essa alternância entre o grande e sua representação em miniatura.
E, se o artista interessa-se em mostrar ambivalências entre verdade e simulacro, arte e artesanato ou fragmento e conjunto; a ambigüidade maior está nesta armadilha que o escraviza e o libera, jogo solitário que assegura seus devaneios.
TP, Porto alegre, abril 1997